Womadelaide: Festival australiano inclui PJ Harvey e Bala Desejo na programação

17/04/2025

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Por: Rafael Donadio

Fotos: Divulgação/ Andre Donadio, John Goodridge,Rafael Donadio, Amandala Photography

17/04/2025

Desde 1992, a cidade de Adelaide, na Austrália, promove o WOMADelaide – World Of Music Arts & Dance. Realizado nas terras tradicionais do povo Kaurna entre os dias 7 a 10 de março, o festival celebra a música e o legado cultural da região no deslumbrante Parque Botânico de Adelaide/Tainmuntilla.

Quando cheguei na Austrália, ainda no aeroporto, os termômetros marcavam 16º C. Assim que encontrei meu irmão e minha cunhada, que sempre me falavam do calor do país, disse: “Vocês não têm noção do calor que está no Brasil?! Está insuportável!”

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Mal sabia eu que eles tinham noção, sim, mas que, diferente do nosso país tropical, onde a temperatura continua alta quando o sol se põe, lá o calor dava uma trégua durante a noite e o começo da manhã. No entanto, no decorrer do dia, o sufoco era o mesmo do Brasil. E o público do Womadelaide 2025 sentiu isso na pele, com temperaturas que chegaram a 40º C.

Mas isso não impediu que o público curtisse os quatro dias de festival no Tainmuntilla/Botanic Park, no Centro de Adelaide. As crianças se divertiam em “chuveiros” instalados pelo parque e a água potável estava disponível em galões por todos os bares, que incluíam também estações de recarga.

Quando cheguei, notei que a comida era outra grande atração. Uma imensidão de barracas e food trucks ofereciam opções de todo canto do mundo: Filipinas, Sri Lanka, Nepal, Vietnã, Índia, Turquia, Ucrânia, eram alguns dos países cuja culinária estava ali contemplada.

Já no primeiro dia, conhecemos os famosos habitantes do

— os grandes morcegos conhecidos como raposas-voadoras, que chegam a ter mais de um metro de envergadura. Nos últimos 20 anos, as mudanças climáticas fizeram com que a espécie migrasse para cidades como Adelaide. Calcula-se que tenha mais de 40 mil deles no parque! No fim do dia, entre 19h e 20h, essas dezenas de milhares de “raposas” voam a procura de alimento, criando uma cena assustadoramente maravilhosa.

Assim como na “praça de alimentação”, as opções artísticas vinham de diversos cantos do mundo. Durante o festival foram mais de 700 artistas, de 35 países, em apresentações de música, artes e dança.

De todos que consegui assistir, espalhados pelos oito palcos abertos do Womadelaide 2025, destaco alguns que chegaram até a aliviar o calor.

Goran Bregovic & His Wedding and Funeral Band

Fechando o segundo dia de festival, o sérvio Goran Bregovic e a sua Wedding and Funeral Band, que mistura folk dos balcãs com rock e música clássica, colocou todo mundo para dançar na noite de sábado. Com metais ciganos e polifonias tradicionais búlgaras, misturando instrumentos tradicionais e batidas eletrônicascom humor e genialidade, Bregovic foi, sem sombra de dúvida, a minha maior surpresa do festival. As minhas expectativas para ver o parceiro musical do cineasta Emir Kusturica já eram altas, mas ele conseguiu atingir outro patamar. Apesar do cansaço, o meu caminho de aproximadamente 45 minutos de volta para casa foi em total deslumbramento após esse show.

Etran de l’Aïr

O mesmo deslumbre eu tive com o quarteto de Níger, Etran de l’Aïr. Não por acaso, assisti as duas apresentações que a banda fez no Womadelaide (algo comum no festival, diversos outros artistas tocaram mais de uma vez, em diferentes dias, inclusive os brasileiros do Bala Desejo). No primeiro show dos nigerenses, o arroubo foi grande. Já o segundo, no Stage 7, às 20h, alcançou outro nível. O blues do deserto tuaregue, com repetições entorpecentes e uma energia contagiante, tocado em um palco no meio das árvores, misturado ao barulho das “raposas-voadoras”, que deixavam o parque à procura de alimento, foi algo cinematográfico. Até Bregovic e Kusturica teriam dificuldade de criar.

PJ Harvey

Uma das atrações mais esperadas do festival, PJ Harvey ,tocou no Foundation Stage, às 21h30, encerrando o primeiro dia. Acompanhada por John Paris, James Johnston, Jean-Marc Butty e Giovanni Ferrario, que se alternavam nos instrumentos, a cantora, guitarrista e pianista britânica passeou por diversos períodos da sua história e discografia. Os australianos, que esperaram oito anos para vê-la, estavam em êxtase. Eu, que esperei 38, terminei o dia flutuando.

Sauljaljui

Outra atração marcante foi a indígena taiwanesa SaulJaljui, cantando e contando a história do povo Paiwan. Com o yueqin (instrumento de cordas chinês), SaulJaljui entoa canções folclóricas da região de Hengchun, mesclando os sons ancestrais taiwaneses com elementos da música contemporânea mundial. E para celebrar a união entre Taiwan e Austrália (e Brasil), ela se juntou ao público para uma dança de roda, também tradicional dos Paiwan, fazendo com que todo mundo esquecesse, pelo menos por alguns minutos, o sol castigando o corpo no meio da tarde.

Saigon Soul Revival

O quinteto da cidade de Ho Chi Minh resgata o rock e o soul de bandas vietnamitas da década de 1960 e 70, aproveitando a psicodelia do período para acrescentar instrumentos tradicionais do país (Đàn Tranh, Đàn Nguyệt e Đàn Bầu) e levadas de outros gêneros populares no Vietnã, como o bolero e o tango (!!). Esses são estilos musicais que, segundo o produtor e os integrantes da banda, tomam conta das ruas e bares das cidades. A mistura é exótica e o resultado, maravilhoso.

Nana Benz du Togo

Com um som orgânico e ritmos eletrônicos, expressos através de percussão artesanal de tubos de PVC, bateria, um sintetizador Korg e três poderosas vozes femininas, Nana Benz du Togo canta a riqueza da herança vodu. As canções do quinteto, firmemente ancoradas na riqueza da herança cultural, exaltam o valor da liberdade em inglês, francês e mina (língua africana), assim como o respeito pelo planeta e seus habitantes. Todos dançávamos, no sol das 16h, como se o frescor da noite já tivesse chegado.

Outros que refrescaram o Tainmuntilla/Botanic Park, durante os quatro dias de festival, foram os norte-americanos do Durand Jones & The Indications, com um soul e R&B envolvente. Teve também a força do dancehall de Queen Omega; os australianos da TEK TEK Ensemble e a mistura de rock, disco, cumbia e outros ritmos tropicais; o jazz afrofuturista da Sun Ra Arkestra; a psicodelia da banda texana Khruangbin; e o som vibrante dos brasileiros da Bala Desejo.

Além da companhia Bangarra Dance Teathre, que fez uma multidão se sentar em silêncio, no meio de toda a agitação do evento, e se emocionar com o espetáculo de dança The Light Inside; emoção também vivida com a companhia Yoann Bourgeois Art Company e a apresentação do The unreachable suspension point. Foram dias para guardar na memória.

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17/04/2025

rafaeldonadio@gmail.com
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Rafael Donadio