Na semana em que Paco Amoroso nasceu, o grupo de jazz funk britânico Jamiroquai lançava na América Latina Emergency On Planet Earth (1993), seu primeiro disco. Já Ca7riel, seu companheiro de banda, nasceu uma semana depois que o Nirvana gravou seu aclamado MTV Unplugged (1993). Ambos do começo dos efervescentes anos 1990, o duo se valeu dessas e muitas outras influências para construir a identidade sonora de Ca7riel & Paco Amoroso – cujo trabalho mais recente, “PAPOTA”, foi lançado pelo NRC+. O disco azul translúcido, acompanhado por encarte e adesivos, está em pré-venda no site.
Ca7riel e Paco, que dividem quase o mesmo sobrenome – seus nomes reais são Catriel Guerreiro e Ulisses Guerriero – se conhecem desde os seis anos de idade, quando dividiram a mesma carteira na escola. Não demorou muito para que percebessem que compartilhavam o desejo de seguir com a carreira musical – e os dois estudaram música juntos por muitos anos.
No começo, influenciados pela infância nos anos 1990, queriam ser rockstars. Ca7riel dedicou boa parte da vida à guitarra, tornando-se professor de música na juventude. E Paco começou no violino, mas mais tarde mudou para bateria. “Eu queria ser os Rolling Stones, não só o Keith Richards“, disse ele ao jornal espanhol El País, em maio deste ano. Ca7riel complementou: “E eu queria ser o Queen, não só o Freddie Mercury“.
Em meados dos anos 2010, a dupla formou, com mais dois músicos, a banda de funk rock Astor. É curioso assistir a um vídeo do grupo se apresentando na rádio argentina BitBox FM em 2017, disponível no YouTube, e comparar ao Tiny Desk. Com apenas 1 milhão de visualizações, contra as estrondosas 40 milhões do Tiny Desk, o vídeo mostra Paco tocando uma bateria eletrônica com destreza e Ca7riel acompanhado de sua fiel guitarra. Sem as roupas e cabelos chamativos, mas já com muito talento, o grupo toca a música que abre seu disco de estreia “Vacaciones Todo el Año”, lançado em 2017.
Nos comentários, há alguém chamando Ca7riel de “filho do [Luis Alberto] Spinetta”, um dos maiores músicos argentinos de todos os tempos. Anos depois, Ca7riel gravaria uma versão de “El Anillo del Capitán Beto” em homenagem ao cantor e compositor, que faleceu em 2012. Além de Spinetta, a dupla também já se disse influenciada por outros músicos e grupos celebrados do rock argentino, como Charly García e Patricio Rey y sus Redonditos de Ricota.
Foi mais ou menos na época do lançamento de “Vacaciones Todo el Año” que um novo gênero começou a tomar conta dos Estados Unidos – e, por consequência, também de toda a América do Sul: o trap. Na Argentina especificamente, na esteira de batalhas de rap como El Quinto Escalón, que começou a ser realizada em 2009 em Buenos Aires, surgiram nomes que viriam a se popularizar enormemente. Duki, Trueno, YSY A, Wos e muitos outros passaram a formar uma nova geração do rap argentino.
Ca7riel e Paco, então, resolveram se aventurar nessa nova onda. Entre 2018 e 2019, lançaram um punhado de faixas – entre elas, os hits “Ouke” e “A Mí No”, ambos com mais de 10 milhões de visualizações cada no YouTube –, o que os rendeu o título de “dupla mais bem-sucedida do trap” de acordo com o jornal argentino Clarín em 2019.
“Ter tocado rock por tanto tempo nos deu um plus de experiência prévia fazendo música. Porque, embora seja verdade que há gente que rima de forma incrível, às vezes estouram com uma música e, de repente, os colocam em um palco, sem preparação, com 17 ou 18 anos, e nem sempre dá certo”, disse Paco ao jornal. Anos depois, ao El País, ele complementou: “A gente vinha de tocar rock com banda, e no trap tudo é mais ‘música fast food’. Aprendemos a gravar de um dia para o outro. Então, por isso, obrigado, trap.”
Mas, se você prestar atenção, o som de Ca7riel & Paco Amoroso sempre foi um pouco mais do que simplesmente trap. Até mesmo em seus discos solo, lançados durante a pandemia quando a dupla se separou momentaneamente. “El Disko”, trabalho solo de Ca7riel, começa com uma faixa que sampleia a introdução de “Lucy in the Sky With Diamonds”, clássico dos Beatles, e é seguida por “Bad Bitch”, faixa guiada pela guitarra de Ca7riel que é tocada no Tiny Desk. Já “Saeta”, disco solo de Paco Amoroso, vai da house music ao synthpop sob seu flow rouco.
Ambos os trabalhos são de 2021, e deram o tom para o que Ca7riel e Paco fariam na nova década. Baño María, primeiro álbum de estúdio do grupo, veio em 2024 recheado de electropop, trap e tons de reggaeton. Mas a forma de composição orgânica nunca abandonou o grupo – o que ficou óbvio, é claro, na apresentação do Tiny Desk. Para a apresentação, a dupla convidou um punhado de músicos já com bastante tempo de estrada na cena argentina: a DJ Anita B Queen como tecladista, Eduardo Giardina na bateria e Felipe Brady no baixo. Com a ajuda deles, transformaram seu som sintético em uma mistura cativante de funk e jazz.
Parece que toda a trajetória musical de Ca7riel & Paco foi necessária para que eles chegassem ao som eclético de PAPOTA, lançado em março deste ano. Nas quatro faixas inéditas do EP, Ca7riel e Paco colocam suas letras divertidas e flows afiados do trap sobre bases de instrumentação orgânica influenciadas por todos os gêneros que já passaram por suas vidas.
Não por acaso, em entrevista ao The Guardian neste ano, eles se definiram como “degenerados”: não apenas no sentido literal da palavra, mas também pela interpretação do que é “sem gênero” – sexual e musical.