Em “Assaltos e Batidas”, FBC mergulha no rap noventista para falar urgências do presente

27/06/2025

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Por: Damy Coelho

Fotos: Divulgação/ Iulle, Renan 1RG

27/06/2025

FBC já se consolidou como um dos rappers mais influentes da cena atual. Por conta disso — ou, talvez, nem aí para isso — se reinventa a cada novo trabalho, sempre pegando o público de surpresa: em Padrim (2019), o trap mineiro, lentinho, ganha pelas batidas envolventes com a narrativa da vivência periférica em Belo Horizonte. Já O Baile (2021), parceria com Vhoor, virou sucesso nacional ao trazer de volta para a pista o miami bass que ajudou a originar funk carioca. No trabalho seguinte, invés de repetir a fórmula numa espécie de “Baile parte 2”, Fabrício seguiu um caminho mais árduo: caiu de cabeça no soul e na disco music setentista para fazer suas rimas. Nasceu, assim, O Amor, O Perdão e a Tecnologia Irão Nos Levar Para Outro Planeta (2023).

Em 2025, meio na surdina, anunciou Assaltos e Batidas, álbum em que, mais uma vez, recalcula a rota. Agora, FBC retorna ao rap noventista — indo do boombap ao west coast, sem abrir mão do tempero nacional. Ao longo do disco, é possível identificar ecos de Nas, Cypress Hill, Facção Central, Racionais.

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Ele define o álbum como um “bate-cabeça” que fala do Cabana, seu território de origem na região Oeste de BH — mas que poderia ser sobre tantos outros territórios urbanos pelo Brasil. Entre referências que vão de Marighella ao filme Rede de Intrigas, passando pelo cinema irlandês, o disco propõe uma leitura afiada da realidade de quem vive nas margens. “A arte é a nossa impressão do mundo. Assaltos e Batidas é a minha”, diz ele, neste faixa a faixa.

Com produção de Coyote Beatz, Pepito, DJ Cost e Nathan Morais, o álbum também se desdobra em um curta-metragem dirigido por 1RG. Gravado em Belo Horizonte com elenco formado por artistas independentes e moradores da periferia, o filme acompanha um jovem seduzido pelo crime e confrontado pela militância, escancarando a lógica excludente do sistema.

Mais do que uma coleção de músicas, Assaltos e Batidas tem pegada conceitual, costurado por referências que Fabrício transforma em linguagem própria.

Para quem ainda tem dúvidas que esse novo álbum passaria no teste de popularidade, tive essa prova in loco: No final de semana em que Assaltos e Batidas saiu, um bar em Belo Horizonte meteu o disco na íntegra — com a galera cantando junto e tudo mais. Isso prova que FBC pode se jogar em outras praias sonoras o quanto quiser: sempre haverá público cativo para curtir o seu som e entender a sua arte.

Leia abaixo o álbum faixa a faixa:

“Cabana Terminal”: essa é a faixa que fala sobre território. Eu já vou mostrando algumas situações que causam problemas, comuns a todos ali do território.

“Quem sabe onde está Jimmy Hoffa?”: achei que poucas pessoas tivessem assistido a esse filme, já que um filme irlandês de quatro horas. E muita gente veio me falar “pô, Fabrício, achei o filme da hora! Entendi o que você quis dizer”. Porque, no álbum, digo coisas como: o criminoso comum e o criminoso político, né? Vamos pensar assim. “O crime é o crime e eu sou eu”. A gente não pode misturar as coisas.

“Qual o som da sua arma?”: foi uma das primeiras músicas. Nessa música que entendi a sonoridade do álbum, sabe? Tinha feito músicas com outros beats e não era o lance do bate cabeça. Aí, quando fiz o “lara, lara…”, o Nathan Moraes veio e me falou: “Cara, acho que o som é esse”. O disco, como um todo, fala sobre negócios que deram errado: seja um assalto, um trabalho, a revolução em si, já que tudo é negócio.

“A voz da Revolução”: foi a música em que quis trazer a história do Marighella. Já é meio batido isso no rap, mas aqui é a minha narrativa sobre a coisa toda, o passado e o futuro. Não podia de citar a Rádio Libertadora, o Marighella, já que me inspirei na escrita dele para o álbum. Então, essa é a minha sincera homenagem a uma pessoa que fez total diferença para a recente história, afinal de contas, nem faz tanto tempo assim que tivemos a ditadura, e os resquícios estão aí até hoje. Às vezes, parece até que não acabou.

“Você para mim é lucro”: foi muito legal fazer essa. Eu tava no processo inicial, no estúdio. Fizemos esse beat, fui para casa e a letra veio. Liguei pro Pepito, falei que já tinha a letra, então voltei no estúdio e gravamos. Tinha assistido Os 12 Macacos [filme de 1995] de novo, falei: “cara… esse diálogo entre Brad Pitt e o Bruce Willis ilustra muito o que quis falar nessa altura do álbum. Essa música amarra o conceito do disco.

“Roubo a banco”: sinceramente, tentei escrever nesse beat, mas não consegui. O saxofone roubou a cena. Foi aí que a gente teve que chamar o Natan Morais pra compor o time, porque o baixo não tava dando conta, não conseguia acompanhar a melodia que o Jackson fez no sax. Aí pensei: “Cara, essa faixa já diz tudo.” Depois de “Você pra mim é lucro”, o álbum precisava dar uma relaxada, tava tudo muito tenso. Mesmo com ironia, sarcasmo… ainda assim, os momentos até aqui no disco são todos muito carregados. E “Roubo a Banco” chegou pra dar esse respiro. Tanto que o nome da música, no começo, nem era “Roubo a Banco”. Era “Pausa”. Mas “Roubo a banco” traz essa pausa, de quem tá planejando algo, tá raciocinando sobre alguma coisa. Esse é o fim da primeira metade do álbum.

“Juventude Atitude”: foi outra pequena homenagem, tá ligado? Uma homenagem a um grande mestre meu, o Dum-Dum, que já faleceu, e também ao primeiro álbum do Facção Central, Juventude de Atitude (1995) que me inspirou muito. Esse som, pra mim, representa o que seria um disco de hardcore rap no Brasil. Pra mim, é o primeiro da discografia nesse estilo. Então, quis trazer uma pegada de banda, sabe? Algo meio Cypress Hill, meio House of Pain… talvez até com um quê de Rage Against the Machine, mas é um rap.

“Assaltos e Batidas”: o título do disco já existia antes da música. Só que rolou uma coincidência interessante. Depois que escrevi, percebi que a primeira parte da faixa fala sobre um assalto — e a segunda, sobre uma batida policial. A faixa tem dois samples: “Capítulo 4, Versículo 3”, do Racionais, e “New York State of Mind”, do Nas. Tem um momento no segundo verso do Nas em que ele diz: “Eu tive um sonho que era um gângster, tava de armado, usando droga”, e eu trouxe isso de um jeito meu. Não sei se a galera percebeu essa referência. Tomara que, após ler isso aqui, alguém comente: “Pô, entendi agora.”

“Estamos te vendo”: pra mim, esse som é o clímax do álbum. É o ponto onde os “negócios” são feitos — e também onde eles dão errado. É sobre como esses esquemas acontecem, quais são as consequências quando tudo desanda. É quase como um alerta, sabe? Um recado pros futuros negociantes.

“Me diga quem ganha”: essa veio de uma inquietação. Sinto que o álbum, de certa forma, ficou muito violento. Todo homem periférico sente esse medo constante: da violência, da polícia, da bala perdida.

Acredito, de verdade, que o futuro — um mundo mais justo, mais pacífico, com harmonia — vai passar pela liderança das mulheres. Um mundo onde as mulheres comandam, pensam, decidem, criam as estruturas.

Pode ser só um sonho, não sei. Talvez nem tenha estudado o suficiente pra afirmar isso, mas tenho fé. Porque foram as mulheres da minha vida — minha irmã, minhas filhas, minha esposa, minhas amigas — que me ensinaram. As mulheres com quem já trabalhei, que admiro como escritoras, musicistas. Fernanda, Luar, Lírios… as parceiras de feat. Sempre aprendo muito quando crio com as meninas. Sempre consigo traduzir uma coisa boa.

E quando, na música, digo que o chefe de família, hoje, é uma mãe solteira ganhando menos que um homem por dia… são as mulheres que carregam o alvo nas costas. Diz muito sobre o sentimento de apatia, o que posso fazer. Quando a gente reclama de alguma covardia, aqueles que são contrários aos nossos ideais dizem coisas como: “tá com dó? Leva pra casa…”. Resume muito essa ideia de que não adianta o que eu faça amanhã, vou ter de acordar e continuar nessa guerra.

“A cosmologia corporativista do senhor Arthur Jansen”: O nome dessa faixa veio de um filme — Network, de 1976, que no Brasil estreou como Rede de Intrigas. Ganhou quatro Oscars. E tem uma fala do personagem Arthur Jensen que me marcou muito. Se a essa altura do álbum você ainda não entendeu a proposta, talvez seja porque realmente não está alinhado com o que a gente acredita dentro do hip-hop — enquanto movimento político, enquanto expressão de esquerda.

Não existe rap de direita. Não existe rap que não seja político. Essa faixa é minha contribuição na luta, junto com minhas irmãs e meus irmãos. Beijo!

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27/06/2025

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Damy Coelho